Hiper Interação

Com certeza você já deve ter observado que nos últimos anos tem crescido exponencialmente uma série de doenças de base psicológica, freqüentemente relacionadas ao trabalho. Stress, depressão, neuroses, síndrome do pânico e várias somatizações, que vão de pequenas alergias a doenças mais sérias.

A sabedoria popular dá o diagnóstico:

  • Engoliu muito sapo? Problemas estomacais e digestivos na certa.
  • O ar ficou irrespirável? Alergias respiratórias, asma, rinite, etc.
  • Estão te “espremendo” muito? A tensão tá muito alta? Cuidado com a pressão arterial, problemas circulatórios e coração.
  • Cultivando mágoas, raiva (enfezado)? Vai acabar cheio de toxinas, problemas renais, enfim, envenenado(a).

E por aí vai. Mas, além disso – e na mesma proporção – crescem outras modas e causas que até duas ou três décadas não conhecíamos: “bullying”, “assédio moral”, “assédio sexual” e constrangimentos diversos. Mas pensando bem, temos que reconhecer que o assédio, o bullying sempre existiram. Então é factível supor que o que está acontecendo é também um crescimento exponencial desses fenômenos.

Embora esse estado de coisas não seja exclusividade do ambiente de trabalho, isso ingressou na pauta dos profissionais de RH que começam a se mobilizar e a se preocupar. Comigo ocorreu o mesmo. Mas então eu comecei a me perguntar se por trás de tudo isso não tem algo maior. E cheguei a uma singela conclusão: Gente faz mal pra saúde!

Não conheço nenhum estudo objetivo sobre o assunto, mas quem é do ramo pode conferir as seguintes constatações:

  • Li um estudo feito há vários anos sobre o alto índice de absenteísmo entre enfermeiras na Inglaterra, indicando como causa as pressões psicológicas e stress vivido por essas profissionais. Esse stress, segundo o estudo, advinha da excessiva intimidade vivenciada com os pacientes e seus dramas pessoais e doenças. Mais recentemente tive acesso a pesquisas aqui no Brasil que apontam índices elevadíssimos de absenteísmo desses profissionais de saúde. Teriam a mesma causa?
  • Sabe-se também que os profissionais de tele-atendimento são submetidos a altíssimos níveis de stress que produzem seus efeitos. A jornada reduzida desses trabalhadores parece não ajudar muito.
  • Observando a “olho nu” (sem estudo, estatística, números), parece óbvio que o stresse emocional ocorre primordialmente em profissionais cujo trabalho implica em interação constante: assistentes sociais, supervisores, gerentes, assistência técnica, help-desk, etc. Inversamente, onde ocorre menor volume de queixas é entre os chamados “operacionais” que não são expostos a tanto convívio humano no ambiente de trabalho.
  • A organização do trabalho vem mudando ano após ano. É claro que o foco da mudança não está nas pessoas, mas na produtividade, na qualidade, no resultado econômico. Dessa forma, metodologias como o grupo autônomo, células, multifuncionalidade, grupos de melhoria contínua, etc; forçam o contato profissional dos indivíduos ao extremo.
  • Por fim – e talvez a mudança mais importante – vem da tecnologia. Ela elevou exponencialmente a interação humana em todos os ambientes, não apenas no trabalho. Ela não apenas “permite” mas “força” o individuo que, por ex., está em contato com um grupo (situação já de difícil controle psicológico) a interagir com outro individuo ou grupo à distância. Seja pelo celular, Internet, skype, MSN, tele conferência ou programas específicos das organizações.

No mundo atual é preciso estar “antenado”. Tá, mas a que custo?

Além disso, penso que a tecnologia, ao contrario do que se apregoa, trouxe maior desestruturação do que estrutura e organização ao ambiente de trabalho. Senão, porque tanta reunião, tanta discussão em grupo, tanta necessidade de treinamento? A complexidade aumentou, claro. Mas, supostamente a tecnologia não deveria ter a função de simplificar as coisas?

O computador é frio e limitado. Resolve apenas os problemas conhecidos para os quais está programado. Portanto, vai deixando lacunas e verdadeiros “buracos negros” aos quais as pessoas têm que se dedicar. Ele também é rígido e não se adapta. As pessoas é que têm que se adaptar a ele, muitas vezes abrindo mão da sua capacidade de pensar e criar. Isso por si só já é gerador de frustração e stress pra ninguém botar defeito.

Ah, mas o homem é por natureza um ser gregário, não é mesmo? Precisa e gosta de trabalhar com pessoas… Peraí, não tão depressa. Há controvérsias:

Penso que o que o homem busca e precisa é de relações saudáveis. Mas existem também aquelas que não são nada saudáveis. Sabe-se que as pessoas idosas vivem mais e com mais saúde na medida em que se mantêm em contato com grupos de amigos e inversamente quando são isolados e abandonados. É obvio que o nosso grupo de amigos nos traz conforto e saúde psicológica. Mas será que podemos generalizar isso para o ambiente de trabalho? Decididamente não.

É inegável que o ambiente de trabalho, cada vez mais, é extenso em relações forçadas e em contrapartida, minguadas relações de amizade, não forçadas, genuínas – por conseqüência – mais prazerosas e saudáveis. Estamos falando da diferença óbvia entre o grupo de amigos da pescaria, do jogo de baralho, que compartilhamos a pizza no fim de semana x o grupo de FMEA, de troca de informações de RH, etc.

Enfim, o que fazer para melhorar a saúde das relações nas organizações?

  • Em primeiro lugar acho que nós profissionais de RH temos que parar de querer cobrir o sol com a peneira e ficar tentando aproximar as pessoas e repetindo aquele discurso ridículo tipo “somos uma grande família”. Isso é forçar a barra e do meu ponto de vista só piora a situação. Outra coisa muito diferente é permitir o desenvolvimento de grupos informais;
  • Segundo, reconhecer o óbvio: você não obriga o cavalo a beber água, tudo o que você pode fazer é levá-lo até o rio. Então não vamos ficar criando programas artificiais, treinamentos e reuniões extensas que só servem para forçar o convívio das pessoas – por natureza desiguais – ao extremo;
  • Começar a repensar a organização do trabalho de forma a tornar as pessoas mais autônomas e independentes. A contribuição de cada um deve ter a sua medida e o trabalho deve ser estruturado para que isso flua de maneira natural, sem tanta interdependência. Reuniões minimizadas e trabalho mais estruturado gerando menos ansiedade e insegurança.
  • Tecnologia apenas na medida do necessário. É preciso questionar se aquele funcionário precisa mesmo de celular corporativo, notebook, acesso ilimitado à Internet e programas corporativos.
  • A globalização, o crescimento populacional e a concentração humana nas grandes cidades já tornaram o mundo suficientemente competitivo. Qualquer um é capaz de reconhecer isso, não precisa elevar isso a um nível insuportável com a desculpa de que isso “motiva” as pessoas.

Estes são apenas alguns pontos importantes, mas suponho que cada um é capaz de pensar tantos outros quanto a criatividade e idiossincrasia de cada um permitam.

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