A arte de demitir

Há alguns anos, trabalhava numa empresa quando em meio a uma reunião, uma das gerentes solicitou um “treinamento para aprender a demitir pessoas” e acrescentou:

“Você precisa nos ensinar a mandar embora porque não sabemos fazer isso. Chego a ficar dias sem dormir quando tenho que demitir alguém. Não é nada fácil para mim e penso que não seja fácil para nenhum de nós. Você precisa treinar a gente.”

Não me contive e, quase que emocionada dei-lhe parabéns e acrescentei: Fico feliz por saber que você sofre quando tem que demitir alguém. Você deve ser uma ótima gestora, porque bons gestores não gostam de demitir; gostam, sim, de desenvolver pessoas, recuperar as que não estão se saindo bem e, quando todas as tentativas já foram feitas e não houve solução, demitem, mas com dor no coração, porque sempre resta alguma dúvida sobre o que pode ter feito de errado para não conseguir ajudar aquela pessoa a se ajustar ao que era preciso.”

Lembro-me bem de um episódio ocorrido nos anos 1980, quando trabalhei como Chefe de Treinamento numa grande empresa do ramo de máquinas pesadas – passava a maior parte do meu tempo em sala de aula; nossos treinamentos eram dirigidos aos funcionários e também aos clientes e para isso, contava com uma grande equipe que, conforme cresciam as vendas, também tinha que crescer e, com certa freqüência recebia alguém que não estava dando certo em outra área – aceitava porque era o único jeito de conseguir mais um “headcount”. E treinava, e orientava, e dava feedback constantemente, e todos, sem exceção, durante o período em que estive por lá, se saíram bem.

Certo dia, conversando com o Diretor Comercial a respeito de um Programa de Desenvolvimento Gerencial que iria realizar para o time, comentei sobre a programação e cronograma, ajustamos alguns pontos e antes de sair, não resisti e pedi-lhe um feedback sobre o meu trabalho, e tive o prazer de ouvir que “se a principal função do gestor, como você diz em seu programa, é desenvolver pessoas: você é a melhor gestora que temos aqui”. Ganhei na loteria naquele dia! Fiquei muito feliz, especialmente porque tive a certeza que ele prestava atenção naquilo que eu falava em nossas reuniões e treinamentos.

Demitir não é mérito e não pode dar prazer. Sei que há situações onde não se tem o que fazer – fases ruins das empresas, momentos de ajustes e reestruturação, e, inclusive, aquelas em que nos deparamos com pessoas até superiores ao que precisamos, ou pessoas que não se ajustam aos padrões e valores da empresa e temos que fazer as mudanças cabíveis. Mesmo assim, ainda que haja motivo mais do que suficiente para a demissão, há que se pensar: “O que fiz ou o que não fiz que me levou a isso? O que poderia ter feito de diferente, que talvez mudasse o rumo das coisas? Como fiz o processo seletivo desta pessoa? Se ela já teve bons momentos, bom desempenho, bons resultados, o que pode ter provocado a mudança? O que farei da próxima vez para não ter que passar por isso novamente?”

A maioria das pessoas que conheci não sabe e não gosta de demitir pessoas – que bom!

Algumas, porém, sabem muito bem como fazê-lo e, pior, comemoram como se fossem ótimas gestoras de gente. Pessoas assim, quero crer que nem gente sejam.

Recentemente ouvi uma história deprimente. A secretária de um alto executivo de uma empresa estava de saída do trabalho quando ouviu um estrondo, voltou assustada e se deparou com 4 ou 5 pessoas, ao redor do tal executivo, que comemorava com champagne o desligamento de um Diretor com quem tinha trabalhado por mais de 5 anos, na mesma empresa; aliás, o executivo ao qual me refiro, em cargo superior ao do Diretor desligado, tinha autonomia para fazê-lo muito tempo antes.

A última informação me levou a pensar se, na verdade, demitido, não deveria ser, em primeiro lugar, o tal alto executivo, incompetente que foi para contratar, manter e só depois de muito tempo, convencido que o rapaz nunca serviu para o que foi contratado, substituí-lo.

Se o tal Diretor era tão ruim para que houvesse uma comemoração na sua saída, pior era o executivo que não o fez muito tempo antes.

Aliás, comemorar a saída de um alto executivo, chega a ser uma grande falta de comprometimento para com os negócios da empresa, tendo em vista os altos custos de uma demissão. Demitir faz parte do negócio, mas “arte” não o é.

Artistas produzem arte, arte pressupõe algo belo e bom; alguns executivos são artistas na função de liderar, produzem bons resultados, produzem arte.

Demitir alguém não pode ser considerado arte, na medida em que produz dor, sofrimento, tristeza e nada disso é belo ou bom.

Se demitir fosse uma “arte”, cartas de demissão estariam expostas no MASP.

Por Áurea Grigoletti

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