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IL Piacere di non fare niente

Trabalhar é bom, mas não esqueça: vírgulas são pausas.
Autor Desconhecido

 

        Tive meu primeiro emprego formal aos 16 anos de idade e, desde então, nunca mais parei. Trabalho, trabalho e trabalho, horas e horas dos meus dias. Adoro o que faço e sempre arrumo coisas novas para fazer, seja na carreira profissional, nos estudos, nos escritos, na vida pessoal – vivo arrumando o que fazer. Sou meio elétrica e não consigo parar. Até em casa não tenho parada. Ainda que tenha me especializado em “ouvir” – o que dá uma certa sensação de enorme autocontrole e paciência.

Sendo assim, não há quem consiga me imaginar tendo prazer em nada fazer.

Pouco sabem de mim esses colegas meus.

Quando me formei na faculdade estava numa empresa e já trabalhava muito e muito, quando uma colega comentou que nunca pararia de trabalhar porque morreria. Eu disse a ela que estava fazendo uma boa poupança porque, diferentemente, pensava sim em ter bons momentos de nada fazer. Ela ficou chocada e acrescentou: Você? Do jeito que você é com o trabalho, nunca vai parar, vai morrer trabalhando. Ri de seu comentário e brinquei dizendo que adoraria ter, quem sabe, um marido rico, que me permitisse ter o “prazer de nada fazer”.

Amiga, disse a ela, você consegue imaginar qual não será o meu prazer de fazer nada num cruzeiro num lindo e grande navio? Fazer nada nas ilhas gregas? Fazer nada num leilão de artes, só tendo o trabalho de acenar levemente a mão direita, sempre que quiser arrematar uma bela obra? Ou fazer nada num leilão de cavalos? Ou num shopping em Nova York, só tendo o trabalho de carregar pacotes e mais pacotes? Ou fazer nada no Berço da Humanidade – Paris, Roma, Madri…

Ah! Assim até eu, disse minha amiga.

Mas: “Il piacere di non fare niente” é muito mais do que tudo isso. Sei bem disso agora.

Num final de semana, na casa da praia de uma amiga, num calor intenso, céu límpido, azul e repleto de estrelas – sentei-me numa cadeira de praia e fiquei mais de hora observando o espaço. Vi uma estrela cadente pela primeira vez em mais de dez anos. Já tinha passado por situações parecidas, mas nunca tinha dedicado tanto tempo ao céu, como fiz naquela noite.

Com um pouco de dor no pescoço, ajustei meu corpo na cadeira e vi uma longa trilha de formigas carregando pedacinhos de grama e outras coisas nas costas – dediquei mais de uma hora de meu tempo a observá-las e elas iam e vinham; e há as que carregam, as que não aguentam e deixam cair e voltam a ajustar o enorme fardo nas costas e as que tentam, tentam, não conseguem, mas não desistem, e as que andam de um lado para o outro, como chefes que observam e orientam, e algumas maiores e outras menores, mas todas com alguma função importante, naquele mundo tão parecido com o dos humanos.

Aprendi a olhar para cima e para baixo naquele dia. Estava muito acostumada a olhar para a direita, para a esquerda, para frente e, eventualmente, para trás.

Anos depois veio a minha filha e eu aprendi a deitar na grama de minha casa, ou na areia da praia e olhar o céu e descobrir o que as nuvens querem nos dizer com suas formações – Tem um rinoceronte aqui! Tem um cãozinho ali – parece a Misty! Tem um sapão fugindo de um jacaré ali no canto!

E dedicar umas boas horas no banho, brincando com a água, jogando espuma uma na outra, brincando de boneco de neve.

E ler e reler contos e inventar e contar histórias – cada dia uma nova – e interpretar as minhas histórias para todas as amigas que vinham dormir em casa e todas tinham que ter algum papel nessa história.

E sentar no sofá da sala por uns bons 30, 40 minutos, sem ligar a TV, sozinha, olhando para o nada.

E tirar um cochilo no meio do dia.

E dar um passeio com a cachorra aproveitando para observar os jardins das casas vizinhas, as cores das paredes, a arquitetura, os vizinhos… Tem mais gente no meu bairro além de mim e de minha família!

Tem a vizinha que passa e faz de conta que não nos vê, tem a empregada lavando o quintal que quase nos dá um banho com a mangueira, apesar da falta d’água, tem aquele rapaz fazendo caminhada para lá e aquela senhora, para cá, e a criança que vai para a escola, e a mãe que passeia com o bebê, e o carteiro, o vigia, e a senhorinha que vem em minha direção com o seu cãozinho e para, comenta sobre o seu cãozinho e pergunta sobre o meu e eu falo um pouco e ela fala que foi à padaria comprar uns pãezinhos porque não quer fazer almoço hoje, e eu fico meio sem assunto e ela continua contando, que tem uma filha que trabalha num banco, que seu marido faleceu há alguns anos, que gosta de ir ao supermercado e que anda todos os dias pelo bairro; e pergunta se eu também faço o mesmo e, mesmo antes que eu responda, sugere que de agora em diante vamos nos ver mais vezes e eu encosto na parede e fico ali por mais de meia hora ouvindo a senhorinha contar seus causos, e ela demonstra uma grande alegria por encontrar alguém que a ouça e eu descubro que estou fazendo muito mais coisas justamente no dia que decidi curtir “Il piacere di non fare niente”.

Bem-estar é isto! É sentir e curtir cada segundo de sua vida. É perceber o tempo. Não é perceber o tempo passando, mas sim, simplesmente, perceber o tempo.

Não deixe o tempo passar sem senti-lo. Até os maus momentos devem ser percebidos, caso contrário, terá a impressão que a vida passou e você não viveu.

Por: Áurea Grigoletti (Psicóloga, Escritora, sócia da e1.conceito-Fortalecimento Empresarial)

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